Disputa entre facções criminosas reacende debate sobre a violência no Rio

Nessa semana o Rio de Janeiro voltou a ganhar notoriedade nacional devido a uma doença crônica que, ao longo de mais de trinta anos, tem causado sofrimento, desesperança e a morte de muitas pessoas: o tráfico de drogas. Os episódios de violência na cidade carioca, repercutidos pela mídia, reacenderam o debate acerca da decisão do STF de proibir operações policiais para combater traficantes em territórios de favela, durante a pandemia da Covid-19.

Primeiramente, é interessante perceber que a repercussão midiática desse tema é maior em situações de conflitos nas proximidades da zona sul. Episódios de violência envolvendo a figura de traficantes são rotineiros na cidade carioca, apesar de nem todos os fatos serem reportados pela imprensa. Mesmo com as redes sociais disponibilizando um mundo de acontecimentos, um fato só se torna notícia quando presente nos meios de comunicação. Ou seja, quando a mídia atribui um significado as ocorrências sociais. Notadamente, a violência no Rio só recebe o status de “insuportável” quando alcança os bairros elitizados e os pontos turísticos.

Essa ponderação é para enfatizar que a repercussão dos confrontos alarmando a situação de violência em que a cidade maravilhosa se encontra começa com a notícia que “homens armados com fuzis trocam tiros com policiais e causa pânico na Lagoa, Rio”. A notícia do G1 faz referência ao tiroteio que aconteceu na quarta-feira (26/08), quando um “bonde” de bandidos da Rocinha entrou em confronto com policiais no entorno da Lagoa Rodrigues de Freitas – um dos cartões postais do município.

A notícia do tiroteio que desencadeou pânico no bairro “com um dos cinco melhores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade” – conforme informa outra matéria do G1 – colocou em pauta a disputa territorial entre as facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas no Estado Fluminense. As evidências indicavam que os bandidos presos na Lagoa estariam seguindo para o complexo de São Carlos – situado na zona central da cidade -, onde horas depois estourou uma guerra entre facções rivais numa tentativa de invasão no Morro da Mineira.

Tentativas de invasões com guerra entre traficantes viraram uma constante no Rio de Janeiro desde que o Programa de Polícia Pacificadora entrou em falência. A reorganização do tráfico nas favelas pacificadas indicava a decadência das UPPs enquanto aumentava a disputa pelo controle territorial entre as distintas organizações criminosas: Comando Vermelho (CV), Amigos dos Amigos (ADA), Terceiro Comando Puro (TCP) e as milícias.

Impressiona que os problemas relacionados a segurança pública ganham muita relevância quando afetam diretamente a vida dos moradores da zona sul. Pouco se debate que a população carioca fora da esfera dos bairros elitizados está submetida ao controle do poder paralelo, ou pelas leis do tráfico ou das milícias, que em muitas regiões também estão envolvidas com a venda de drogas.

Os acontecimentos noticiados nessa semana colocam a decisão do STF de proibir operações policiais em favelas durante a pandemia no centro do debate político. Nas redes sociais as discussões comprovam como esse tipo de violência tornou-se uma questão de difícil solução à medida que o poder público perdeu o controle da situação.

Não dá para discordar que é preciso conter a expansão do domínio territorial das organizações criminosas e restringir o controle exercido por esses grupos sobre a população local. É inconcebível a circulação de bandidos fortemente armados pela cidade para invadir outras comunidades, colocando em risco a vida de tantas pessoas. Da mesma forma que é um absurdo enxergar as favelas como território inimigo ou como recinto de bandidos, desconsiderando que grande parte da mão de obra que nutre a cidade vem dessas periferias.

Despejar rajadas de tiros de helicóptero para dentro das favelas colocando em risco a vida dos seus moradores, como muitos defendem, está longe de ser uma solução plausível. Vale frisar, que nas favelas não se produz drogas e nem se fabrica armas, mas, que o tráfico acontece num primeiro momento fora desses territórios. O que falta mesmo é serviço de inteligência e comprometimento político na defesa de programas de segurança destinados ao bem estar social e não somente com fins eleitoreiros.

Cleber Araujo – jornalista /RJ
Foto: Ricardo Moraes / Reuters

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *